Plano de Treino - 3ª Parte

Agora é chegada a hora de treinar. Mas o que treinar? Fazer treinos longos e de intensidade baixa ou média ou treinos curtos de alta intensidade? Há diversos tipos de treinos que podemos realizar mas devemos dar mais ênfase aos que permitem melhorar as nossas limitações de acordo com o tipo de corrida que vamos correr. Por exemplo, no caso de São Miguel, o nosso terreno é muito acidentado com muitas subidas e a maior parte das vezes é na transposição destas que se decide as corridas. Então o ciclista deverá dar mais destaque aos treinos nesse tipo de terreno e não andar a treinar maioritariamente em planos (também não há muitos por cá! Lol). Antes de mais passo a explicar os diversos tipos de treinos.

  • Endurance ­– Capacidade de continuar a produzir um determinado esforço retardando ao máximo a sensação de cansaço. Para o ciclista novato estes treinos são a base do seu progresso. Deverão começar no início do Inverno com corrida (crosstraining) para melhorar a condição física do atleta e com o tempo começar a incluir os treino de endurance na bike, reduzindo o crosstraining.
  • Força – Capacidade de superar uma determinada resistência. No ciclismo a força é necessária para trepar uma montanha, pedalar contra o vento ou conseguir meter a pedaleira grande em qualquer altura que seja necessária uma aceleração de corrida. Deve-se começar a treinar a força no início do inverno no ginásio com pesos e gradualmente passar para a bike com treinos intervalados em montanha com baixa cadência e desmultiplicações altas.
  • Técnica (Speed Skills) – Capacidade de pedalar eficientemente e com rapidez em alta cadência, negociar curvas a alta velocidade sem movimentos bruscos desnecessários que nos irão consumir energia. Este tipo de treino deverá começar também no Inverno para preparar os músculos a contrair rapidamente a relaxar e durar a época inteira.
  • Endurance Muscular – Capacidade dos músculos de susterem um grande esforço por um longo tempo. É a combinação da Força com o Endurance e no ciclismo corresponde á capacidade de aguentar uma desmultiplicação alta por muito tempo. Esta é um dos aspectos mais importantes para um ciclista sério. O EM é o que permita ao atleta aguentar um grupo com um ritmo alto sem sofrer demasiado, realizar um bom contra relógio ou seguir com os líderes duma determinada corrida. Os treinos de EM deverão começar a meio do período base com esforços prolongados na Zona 3. No final do inverno/início da primavera deverão começar os intervalos longos na zona 4 e 5A progressivamente á medida que os tempos de recuperação diminuem. Pela altura da primavera o atleta deverá conseguir produzir um esforço de cerca de uma hora nas zonas 4 e 5A.
  • Endurance Anaeróbico – Capacidade de resistir á fadiga numa alta cadência e desmultiplicações altas. É a combinação da técnica com o endurance. É um aspecto crítico em provas onde é necessário aguentar longos sprints para vencer. Deverá começar-se a dar atenção a estes treinos no período Build (Pré-Competição) com intervalos na Zona 5B e 5C e repetições de tolerância ao ácido láctico para elevar a capacidade aeróbica ao máximo. No final do período Build esse trabalho de tolerância ao ácido láctico treina o corpo a dissipar o ácido na corrente sanguínea minimizando assim os seus efeitos nefastos. É preciso ter muito cuidado com este tipo de treinos pois são muito violentos para o corpo e podem frequentemente produzir “overtraining”. Não é recomendado a ciclistas novatos e com menos de 2 anos de treino.
  • Potência – Capacidade de aplicar máxima força num intervalo de tempo o mais curto possível. É a combinação da força com Speed Skills. É um dos aspectos mais confundidos no ciclismo. Muitos atletas treinam a potência em curtos sprints com máxima força mas com intervalos de recuperação pequenos. Estão assim a treinar Endurance Anaeróbico em vez de Potência. Podemos treinar esta capacidade com sprints curtos ou Jumps na máxima força mas com intervalos longos de recuperação (5 min). É o treino que os sprinter mais gostam de fazer! lol


Agora que já sabemos todas as variáveis que podemos treinar temos que definir quais são as mais importantes. Nos Açores as provas têm uma duração inferior a 3 horas e a montanha geralmente é o terreno que decide as mesmas. Assim, analisando o Triangulo de Bompa este tipo de prova situa-se na Região 2 e esta define como principais prioridades de treino a Força, o Endurance Muscular e o Endurance. Aspectos secundários de treino serão a Potência, Speed Skills e Endurance Anaeróbico.

Mas para treinar necessitamos de um sistema, de um método. Têm á vossa disposição 3 tipos de sistema de treino:

  • Sistema de Correr para Ganhar Forma ­– Este é o sistema mais usado pelos ciclistas pois é o mais fácil. Só requer dois passos; Construir uma base aeróbica pedalando 1000 a 1500 km na zona 1 e 2, e o 2º passo é correr todas as semanas até atingir um bom nível de fitness. Bom, é um método de treino que até resulta mas o nosso pico de forma poderá aparecer numa altura pouco conveniente e quando queremos estar bem, estamos já em fase descendente. Este é o ponto franco deste método – Não conseguimos planear o pico de forma.
  • Sistema Sempre em Forma – Como o próprio nome sugere, consiste em aguentar a boa forma o ano inteiro. Podemos até conseguir isso mas nunca vamos conseguir atingir o nosso potencial máximo desta forma e pode até acontecer (e acontece) que ficamos fartos de andar de bicicleta ou até mesmo entrar em overtraining.
  • Sistema da Periodização – Este é o sistema utilizado por todos os professionais e ciclistas de elite. O pai deste sistema é o cientista Romeno Dr Tudor Bompa e pode ser lido no seu livro “Periodization, Theory and Methodology of Training”. Basicamente consiste em variar o esforço de treino aumentando a intensidade e diminuindo o tempo ao longo do ano. Temos então um Macrociclo de treino que corresponde á época desportiva, 3 mesociclos (Preparação, Competição e Transição) e os Microciclos que corresponde ás semanas de treino. Este é o sistema que eu utilizo e num próximo post explicarei os mesociclos de treino.

Treino de Ciclismo - Parte II

Agora vamos começar a falar mais a sério acerca dos treinos. Vão começar a aparecer alguns termos científicos que irei explicar á medida que os for mencionando,mas se alguém tiver mais interesse em aprofundar mais recomendo 3 livros estupendos:
  1. Bompa, Tudor "Physiological Intensity Values Employed To Plan Endurance"
  2. Bompa, Tudor "Theory and Methodology of Training"
  3. Friel, Joe "The Cyclist`s Training Bible.

Os ciclistas novatos em geral acreditam que quanto mais quilómetros andam melhor irão correr, independentemente do que fazem na obtenção desses quilómetros de treino. Até uma determinada altura estão certos mas apartir de determinado momento aumentar os quilómetros de treino é menos benéfico que aumentar a intensidade do treino. O que conta mais não é quantos quilómetros estamos a andar mas sim o que estamos a fazer durante estes

Assim, medir a intensidade do nosso treino é fulcral para a evolução do atleta. um dos sistemas mais antigos (da velha guarda lol) da medição de intensidade é o RPE (Rating of Perceived Exertion) que consite na medição da intensidade (de 6 a 20) baseado nas sensações do atleta.

Antes de falar nos outros sistemas de medição de intensidade do esforço físico, há um termo muito importante para os ciclistas que vai ser diversas vezes mencionado de agora em diante - Lactate Threshold (LTHR). Vulgarmente conhecido por Limiar Aneróbico, corresponde ao nivel de intensidade de exercício a partir do qual a produção de ácido láctico começa rápidamente a acumular-se na corrente sanguínea. Neste ponto o metabolismo muda rápidamente da dependência de gordura corporal e oxigénio para a obtenção de energia para o uso do glicogénio armazenado nos músculos.

Além do RPE, existem mais 3 sistemas (mais científicos) de medição de intensidade de esforço:

  • Sistema Produção de Energia - Este sistema só está ao alcance dos profissionais ou de quem tem muito dinheiro para gastar (lol), visto que é necessário um laboratório para medir a produção de ácido láctico (mmol/l). A partir destas medições, durante o exercício podemos defenir o nosso LTHR, zonas de treino, etc. Não vale a pena falar muito neste sistema pois provavelmente não será usado por um atleta amador.
  • Sistema Muscular - Este sistema mede a intensidade do esforço de acordo com o trabalho produzido durante um determinado tempo (potência). Considerando o trabalho a desmultiplicação usada e o tempo a cadência, de acordo com a física a potência é obtida por P=Trabalho/Tempo. Se a desmultiplicação é a mesma e a cadência aumenta, a potencia tb aumenta da mesma maneira se a desmultiplicação aumenta e a cadência se mantêm. Este sistema (usado á algum tempo nos profissionais) está a começar a ser muito utilizado pelos ciclistas amadores que querem levar mais a sério o seu treino e implica a compra de sensores de força para montar nos pedais.
  • Sistema Cardiovascular - Sistema baseado no ritmo cardíaco para a obtenção dos niveis de esforço durante determinado exercício. É o sistema moderno mais utilizado (quem não tem um monitor cardíaco?) e é o sistema que eu uso até á data. Para utilizar este sistema só é necessário um monitor cardíaco e obter o valor da frequência cardíaca correspondente ao nosso LTHR. Muitos utilizam o valor da frequência cardíaca máxima e definem as suas zonas apartir de uma determinada percentagem mas não é o mais correcto.

Antes de avançar mais temos então de determinar o nosso LTHR. Um teste simples que pode ser feito na estrada é realizar um contra relógio de 30 minutos no nosso melhor ritmo com um monitor cardíaco. A média da frequência cardiaca dos ultimos 20 min do contra relógio irá nos dar um valor bastante razoável para o nosso LTHR. Deve-se realizar este teste 2 vezes por ano (no início da época de treinos e sensivelmente a meio) para obter-mos valores o mais correctos possíveis. Uma vez que estamos na posse do valor do LTHR podemos começar a defenir as nossas zonas de treino. Vou usar o meu exemplo. O minha frequência cardíaca correspondente ao LTHR é de 171 batidas por minuto. Com este valor posso logo defenir uma das zonas mais importante de treino, Zona 5A (Super-Limiar Aneróbico). Assim temos:

  • Zona 1 (Recuperação): 112-139
  • Zona 2 (Aeróbica): 140-152
  • Zona 3 (Tempo): 153-160
  • Zona 4 (Sub-Limiar Aneróbico): 161-170
  • Zona 5A (Super-Limiar Aneróbico): 171-174
  • Zona 5B (Capacidade Aeróbica): 175-180
  • Zona 5C (Capacidade Aneróbica): 181-186

Estes valores foram obtidos segundo uma tabela que pode ser consultada no livro do Joe Friel (The Cyclist`s Training Bible).

No próximo post irei mencionar os aspectos fisicos que podemos treinar, tais como Endurance, Força, Speed Skills, Endurance Muscular, Endurance Aneróbico e Potência, baseados nas zonas de treino já acima defenidas.

Treino de Ciclismo - Parte I

Após alguns meses em que reuni muita literatura e alguma (pouca) experiência no terreno, decidi partilhar um pouco convosco alguns aspectos fundamentais no treino de um ciclista.

Quem pratica este desporto sabe que não é nada fácil competir com outros atletas em cima de uma bicicleta. Este ano senti reacções estranhas, devido ao esforço que nunca antes tinha experimentado. Os níveis de esforço exigidos são muitas vezes violentos e só com muita capacidade de sacríficio é que se aguenta sem desistir. Esta é a primeira parte do início da vida de um ciclista - o compromisso. Quanto maior o nosso compromisso mais a nossa vida gira em volta dos três factores básicos do treino: comer, dormir e treinar!

A maior parte dos ciclistas começam a suas carreiras sem grandes sinais de talento físico e anos depois atingem o topo da modalidade como ciclistas de elite. O treino sistemático e inteligente é a base do seu sucesso. Joe Friel no seu livro "The Cyclist`s Training Bible" resumiu a sua filosofia de treino em 10 mandamentos (como no Velho Testamento lol );
  • 1º Mandamento - Treinar Moderadamente. O nosso corpo tem limites no que diz respeito ao endurance, velocidade e força. Não tentem muita vez os descobrir. Em vez disso treinem dentro desses limites a mior parte do tempo. Se se sentirem cansados terminem o treino antes do previsto. Devemos acabar os treinos com a sensação que poderíamos ter feito mais.
  • 2º Mandamento - Treinar Consistentemente. O nosso corpo cresce á base de rotinas. Desenvolve um padrão de treino que se mantenha quase o mesmo de semana para semana. Isto não significa que devemos fazer o mesmo treino todos os dias, semana atrás de semana. A variedade também promove o crescimento.
  • 3º Mandamento - Descansar Adequadamente. É durante o descanso que o nosso corpo adapta-se ao stress dos terinos e fica mais forte. Sem descanso não há melhorias. Muitos ciclistas descuidam-se neste ponto e pagam muito caro mais tarde. O melhor descanso que o corpo pode obter são horas de sono. O descanso faz parte integrante de qualquer plano de treinos.
  • 4º Mandamento - Treinar com um plano. Este ponto é fundamental para a evolução de qualquer desportista, contudo poucos o fazem. Muitos treinam desordenadamente, fazem os treinos de outros quando se encontram, não respeitam os descansos e em determinada altura, não evoluem. Sigam um plano - qualquer plano e ignorem o resto. Pode ser um plano um pouco fraco mas é sempre melhor do que não ter nada.
  • 5º Mandamento - Não treinar muitas vezes em grupo. Ás vezes, há uma vantagem real em treinar em grupo. Desenvolve-se habilidades, ganha-se dinâmica de corrida e o tempo passa até mais depressa! Mas muitas vezes acabamos por fazer um treino mais intenso quando estariamos mais bem servidos treino de recuperação. O ideal é andar num grupo que segue o mesmo plano (tipo equipa) em que toda a gente está a fazer o mesmo tipo de treino.
  • 6º MAndamento - Planear o "Pico de Forma". O plano de treinos deverá levar-te ao teu pico de forma na altura certa. Não vaçe a pena estarmos em forma quando as corridas que queremos estar bem estão ainda longe.
  • 7º Mandamento - Melhore as suas fraquezas. Um ciclista que é bom a rolar, geralmente o que é que mais treina? Exacto...rolar! Está mal. Se ele é bom rolador, não necessita de mais treino nesse campo, mas sim de melhorar talvez as suas capacidades de trepador que possivelmente são fracas. Muitos ciclistas passem muito tempo a treinar aquilo em que eles já são bons e esquecem-se de melhorar as suas fraquezas.
  • 8º Mandamento - Confia nos teus treinos. Poucos confiam no seu treino quando chega a altura de correr. Há sempre o medo de que não se treinou o sufeciente, e acabam por exagerar na semana da corrida. São necessários 10 a 21 dias de redução de carga de treino para que o nosso corpo esteja pronto para correr, dependendo da longevidade e da intensidade dos treinos realizados. Reduzem o treino antes das grandes corridas que vão se sentir melhor!
  • 9º Mandamento - Ouçam o vosso corpo. Apredam a sentir o vosso corpo e saber se o treino está a ser benéfico ou não. Se não se sentirem bem ou algo diferente, não tenham receio em reduzir ou mesmo terminar o treino. Idealmente devemos treinar somente o que podemos tolerar nesse dia.
  • 10º Mandamento - Comprometam-se com objectivos. Se queremos correr mais depressa e mais forte esta época necessitamos de um treino diferente e até de mudanças na nossa rotina diária de vida. Analisem o que vos está a impedir de melhorar. Será pouco sono? Vão para a cama mais cedo. Ou então estão a comer muita porcaria. Se calhar deveria de fazer um pouco de treino de ginasio, ou então estou com peso a mais...

Este post já vai longo. Chegamos assim ao fim da primeira parte. Mais tarde escreverei a 2ª parte que engloba a ciência do treino.